Apagão de mão de obra versus demissões em massa.

Jorge Santana (*)

De acordo com estimativas da Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais), em pesquisa realizada em 2021, o Brasil forma anualmente apenas 53 mil profissionais em cursos de perfil tecnológico, frente a uma demanda média anual de 159 mil profissionais, gerando um assustador déficit de 66%. Quando comparado à edição anterior, publicada em 2019, o novo estudo demonstra que o problema de falta de talentos foi agravado.

Esse verdadeiro apagão de mão de obra especializada tem múltiplas causas, sobretudo o crescimento da demanda por profissionais para as jornadas de transformação digital das organizações, que sofreram intensa aceleração em decorrência da mencionada pandemia. Some-se a isso a deficiência na formação profissional da maioria das faculdades, o desinteresse pela área motivado pelo mito de que é extremamente difícil e a evasão dos alunos. Ainda segundo a Brasscom, em 2019 cerca de 69% dos estudantes universitários da área de tecnologia abandonaram os estudos, tendo como principal motivo a falta de recursos econômicos.

Por outro lado, a efetividade do trabalho remoto, confirmada na pandemia, eliminou fronteiras e ampliou a possibilidade do profissional trabalhar em empresas de outras cidades e até de outros países, inflacionando ainda mais o mercado e, por via de consequência, elevando sobremaneira o custo desse perfil de mão de obra. A escassez, combinada com a elevação do custo, vem promovendo descumprimentos dos objetos e desequilíbrios econômico-financeiros, sacrificando a boa execução dos contratos firmados com empresas de TI.

 E como se não bastasse, a ebulição do setor promove uma das maiores taxas de rotatividade do mercado, chegando a cerca de 13%, segundo o portal IT Forum. Já a média de permanência na empresa para os cargos mais altos tem média de 2,6 anos, em comparação a 3,8 anos dos demais setores. Não por acaso, tem sido crescente a contratação de TI como serviço por parte de organizações que têm seus departamentos internos de tecnologia da informação.

 De acordo com estudo publicado pelo Centro de Estudos Avançados do Recife (Cesar), para enfrentar esse cenário adverso é necessária a combinação de  políticas públicas voltadas para a formação profissional de curta e longa duração, com ações internas focadas em treinamento, processo seletivo transparente, plano de carreira, ambiente de trabalho positivo e estimulante, salários atrativos e recrutamento inclusivo. 

Paradoxalmente, contudo, a partir de 2022 tem início um processo de  demissões em massa nas big techs – como Meta, Twitter, Microsoft, Netflix e Amazon. Responsáveis por contratar pessoas consideradas as melhores cabeças do mundo em escritórios descolados e oferecendo muitos benefícios, esse rol de empresas passou a reduzir seus quadros de colaboradores, atingindo a cifra de 90 mil demissões ano passado.

Para explicar esse paradoxo, enxergamos causas distintas dentre as duas grandes categorias de empresas do setor. No caso das big techs, a principal causa teria sido o excesso de contratações na pandemia, movidas por uma onda de euforia, muitas vezes feitas às pressas, tendo se tornado comum profissionais juniores ocuparem posições de plenos e até de seniores, inclusive com as respectivas remunerações. Já no segmento das startups, o fim da farra de investimentos aportados de qualquer jeito por fundos excitados pela mesma onda, obrigando essas empresas nascentes a racionalizar seus custos e buscar resultados efetivos.

Considerando haver mais vagas ociosas do que profissionais demitidos, é de se supor que esse movimento contribua para reduzir a escassez e para reequilibrar o mercado de trabalho, mitigando distorções que prejudicam a saudável relação entre as empresas de TI e seus times e, por via de consequência, com suas capacidades de gerar valor para os clientes.

(*) Founder&Chairman da Infox Tecnologia da Informação.