Para pensamento disruptivo, volte cinco casas.
Vander Muniz(*)
Alguns dias atrás li a postagem de um professor meu, Walter Lima. Ele aconselhava que para pensar disruptivamente, na computação, ele não ia nas fontes atuais. No hype das buzzwords. Ele voltava umas cinco ou seis décadas para trás. Buscava se inspirar em nomes como Marvin Minsky, JCR Licklider, Allan Turing, Claude Shannon, Von Neumann e outros.
Eu tendo a concordar em partes.
Entendo muito bem quando essas referências veem à tona porque as ideias que eles trouxeram pro jogo, mudaram o jogo. Simples assim. Sabe a revolução que a computação causou no mundo nas últimas décadas? Então, basicamente tudo, com poucas exceções, vieram da construção do pensamento disruptivo que orbitou os anos 1950, 1960 e 1970. Eu sei, teve um momento histórico nesse período, pós-guerra, etc. De lá para cá, na computação, vieram sucessivas ondas de melhoria dessas ideias estraçalhadoras.
A inteligência artificial, a criptografia de dados. O conceito de informação como conhecemos. O próprio protótipo de um computador, o processador, a computação quântica…
Bom, a parte que eu não concordo. Não concordo mais pelo meu pensamento interpretando o post do que pelo que ele escreveu. Sei que não é o pensamento exposto na frase do Walter, eu compreendi o que ele quiser dizer. Ele se refere à forma como somos atingidos, em massa, apenas pelo produto final de um pensamento.
O problema é que esse produto final levou décadas para amadurecer. Doze meses atrás estava metade do mundo falando de metaverso (não quero cantar de sábio, mas avisei que era só fumaça). Agora, de repente, só se fala em chatGPT. Para quem nunca esteve no meio da computação, parece que isso nasceu ontem. Quem esteve ali envolvido com o pensamento por trás da IA, com pesquisa, com fóruns nerds que meia dúzia de pessoas frequentava. Quem ficou por anos debatendo os pensamentos originais destes pilares da computação moderna. Para, olha para tudo isso e fala: “uai gente, mas isso aí já tem décadas que a gente tá construindo, não tem nada muito novo”.
Não tem nada de novo conceitualmente. Finalmente conseguimos chegar no ponto que há insumo para construirmos o que já foi idealizado décadas atrás.
Para quem se interessa pela construção do pensamento disruptivo, na computação, olhar para isso é lembrar que: enquanto massa, não fomos atingidos ainda por produtos de pensamentos disruptivos contemporâneos.
Aí entra mais um ponto que julgo ser importante. Outra briga grande e longa. Nada, nada, absolutamente nada do que você utiliza hoje na sua vida nasceu pela geração espontânea em uma fábrica. O copo que você usa para beber água veio da descoberta de que era possível manipular fogo e areia. Um estalo na cabeça de um longínquo ancestral nosso. “Gente e se eu testar esquentar esse negócio aqui para ver o que acontece?”. Plim, criamos o vidro e depois é só história que você já conhece.
Os consumidores finais de produtos gerados dessas ideias acreditam que eles surgem sendo criados pela força da mão invisível do mercado. Ou por alguma entidade divina oriental criadora de cacarecos na China. Isso alimenta o estigma de que quem está gastando massa cefálica pensando, filosofando sobre conceitos (de qualquer área), não contribui para o crescimento da economia. Para desenvolver o país e essas historinhas que também já conhecemos.
Pois bem, temos um paradoxo a resolver. Sem pensamento disruptivo não existe produto disruptivo. Sem tempo de construção do pensamento, não existe amadurecimento. Não há solidificação para se ter uma tecnologia disruptiva. Qualquer que seja. Inclusive, talvez a principal necessária hoje é a tecnologia social.
O viés de retrospectiva faz com que a gente olhe para o caminho percorrido no tabuleiro e diga: “Nossa, mas óbvio que isso ia ser sucesso. Como alguém duvidava?”. O problema é que esquecemos que antes de cada avanço da casinha, alguém lançou um dado e ninguém sabia o resultado daquilo. Foi um lance ao acaso.
O nosso dado, aqui neste contexto, é o incentivo a pesquisa. O espaço que permite que pensamentos sejam construídos. Que exista tempo para o lançamento dos dados. Quanto mais buscamos resultados e não pensamos na construção deles, mais ficamos longe do trabalho que permitiu à Minsky, Turing, Shannon chegarem em coisas tão grandiosas.
Voltando ao nosso paradoxo. Não temos mais pensamentos disruptivos sendo construídos? Temos. O problema é que provavelmente só descobriremos serem disruptivos daqui a cinquenta anos.
Temos menos construção de pensamentos como daquele período? Infelizmente não posso afirmar que sim, mas, pela minha curta amostra, acho, puro achismo, que sim. Em compensação, ainda não deixamos de ter alguns pensamentos. Nem movimentos que estimulam construção de novas tecnologias que podem ter esses impactos daqui a cinquenta anos. Movimentos de construção de pensamento disruptivos sociais, super importantes. Sabe o movimento do seu colega, que você não dá muita bola, mas que defende quem não é igual só por saber que isso é bom, essa bagaça é muito disruptiva. Pensadores da filosofia do direito, que vão precisar rebolar para regular um mundo todo novo que vem aí. Um lembrete, vocês estão atrasados, a gente já falava que isso aí tava chegando. Isso tudo compõe um novo campo de pensamentos que a geração após nós, colherá.
Eu não quero fechar aqui dando a entender que nada mais está sendo feito no campo da ciência básica da computação. Só volto ao paradoxo que, só teremos certeza daqui a boas décadas. Deixarei alguns links, abaixo, de ideias e pesquisas que são apostas. São coisas que acredito, que serão os próximos saltos na computação.
Enquanto isso, concordo em gênero, número e grau com meu antigo professor. Quer se inspirar para pensamentos disruptivos? Lance o dado. Ops! Volte cinco casas.
Links:
Computação Biológica
Computer chips powered by human brain cells already exist — but is it ethical?
Computer logic meets cell biology: how cell science is getting an upgrade
Gene Genies: Inside The Revolutionary Biotech That Can Edit DNA Inside Living Humans
Quantum memristor paves the way for neuromorphic quantum computing
Computação Bio-Inspirada
A system hierarchy for brain-inspired computing
The Xenobot Future Is Coming—Start Planning Now
These Nanobots Can Swim Around a Wound and Kill Bacteria
On synapse intelligence emulated in self-formed artificial synaptic networks
IA Centrada no Humano
Hybrid AI: A new way to make machine minds that really think like us
How language-generation AIs could transform science
Human Vs. Artificial Intelligence: Why Finding The Right Balance Is Key To Success
* Diretor de Operações da Infox Tecnologia